O que têm em comum os três maiores escritores britânicos de super-heróis? Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison: todos eles acreditam em magia. E as praticam. A magia é um tema muito comum em suas histórias em quadrinhos e eles dizem praticá-la não apenas em performances místicas, mas nas suas próprias histórias. Magia, segundo dizem suas histórias, é transformação. Mas não é tirar um coelho da cartola ou serrar uma mulher ao meio, embora compreenda isso também. Segundo os autores, magia é acreditar em você, é ser um veículo transformador para agir no mundo. É o pensamento positivo – (mode ironic on) ou você não leu O Segredo? (mode ironic off).
Engraçado como a minissérie, agora graphic novel, Os Livros da Magia percorre todos os aspectos da magia sem dar uma definição precisa do que ela é. A trama é básica: Tim Hunter, um garoto destinado a se tornar o maior mago de nosso tempo é levado a conhecer a magia por quatro desconhecidos: o Vingador Fantasma, John Constantine, o Dr. Oculto e Mister Io. No processo, ele precisa optar se quer seguir o caminho das artes místicas ou não. Cada tutor o leva a descobrir um aspecto da magia. Com o Vingador, ele descobre o passado, com Constantine, o presente, com Oculto, o mundo das fadas e com Io, o futuro. Cada um deles é representado nas cartas de tarô, da Madame Xanadu, na página 64, levando a uma metalinguagem na história. Cada um deles está em uma das quatro partes ou volumes da minissérie. Quatro é um número místico. Existem quatro pontos cardeais, quatro estações, quatro ventos, quatro pilares do Universo, quatro fases da lua, quatro humores, quatros rios do Paraíso, quatro letras no nome de Deus e no do primeiro homem, quatro braços da cruz e quatro Evangelistas. Estes últimos parecem ser o papel dos tutores de Tim Hunter, os Evangelistas da Magia, inclusive em seu papel de apresentadores e reveladores do mundo mágico, tratando Tim como uma espécie de Messias.
Segundo a tradição dos sufis e dos dervixes, quatro também é o número de portas que o adepto da via mística deve transpor. Na primeira porta o adepto conhece o livro,as letras da religião, e está no vazio (assim como Tim e o Vingador no início dos tempos). Na segunda, ele conhece o caminho, ou seu compromisso com a disciplina da ordem escolhida (todos os ramos da magia mostrados por Constantine). Na terceira, é aberto o caminho para o conhecimento místico (o reino das fadas) e na quarta, o aprendiz atinge Deus e se funde nele como única realidade (o fim dos tempos, os conceitos, os perpétuos). Assim, é a feita a passagem de Tim pelos quatro elementos, do ar ao fogo, à água e, por fim, à terra. Talvez, Gaiman tenha se baseado nesta tradição para escrever a história.
Tannarak diz no terceiro capítulo, que “A Magia é Poder. É enxergar entre as sombras e ver o mundo real”. A doutrina budista e Platão têm as mesmas ideias de separação entre o mundo das aparências e o mundo da essência. Podemos perceber essa transição entre o primeiro capítulo, com pouco texto e grandes quadros, para o segundo, com muito texto e vários quadros.
Como em outras obras de Neil Gaiman, encontramos alguns padrões para além da temática mística, principalmente no capítulo 3, no reino das fadas, Faerie. Os personagens vão ao mercado, também presente em seu romance/HQ/seriado televisivo Neverwere (Lugar Nenhum). Tim deve esvaziar os bolsos, se desfazer das suas posses antes de adentrar o reinio místico: outro padrão da obra de Gaiman, como em Coraline. O reino das fadas também está presente em Stardust. As barganhas, grandes catalisadoras das histórias de Gaiman também estão lá em Livros da Magia e elas estão em todos os capítulos. O terceiro, talvez seja o melhor de todos, seja em argumento ou arte. Há destaque também para o bom trabalho de tradução de Érico Assis nos diálogos surreais do coelho e do porco-espinho na sequência da cabana da Baba Yaga.
No último capitulo temos o embate da magia contra a ciência que nada mais é do que uma máscara para o combate entre as forças do caos e da ordem. Enquanto a magia representa aquilo que é especulativo, espiritual, e que não pode ser alcançado por vias naturais, a ciência é algo empírico, material e que precisa de uma comprovação para existir. Como falei antes, a peregrinação do nosso Boy Magya Tim Hunter, também é a peregrinação do leitor, que precisa usar da suspensão da descrença para que as histórias se desenvolvam em sua mente. A histórias também provocam uma transformação no leitor quando ele chega a seu final. Ou seja, magia é como uma boa história. Só é preciso acreditar. E ela acontece.