Hoje, você vai conhecer a Morte! Calma, calma, não é morte morrida nem a morte matada. Trata-se de uma personagem do universo de Sandman, a série mais cultuada da linha Vertigo, o selo adulto da DC Comics. Morte é a encarnação desse conceito humano, ela é irmã do Sonho, que vem a ser o Sandman do título. Ela, com certeza, é a mais popular dos Perpétuos, que também compreende Destino, Desejo, Desespero, Destruição e Delírio. Essa aliteração é proposital. Mas viemos aqui para por a Morte em prática. Só que não quero falar dessa personagem tão popular da maneira comum. Hoje vamos ter religião, góticos, terror infantil, velhas dos gatos e DSTs. Me acompanhem nessa jornada à Morte!
“Vida é sofrimento, morte é transformação”. Esta é uma frase budista, seus adeptos acreditam que a morte é mais uma escala na evolução da alma. Uma coisa parecida com o que pensam os espíritas. Uma coisa parecida, também, que pensavam os antigos egípcios. E não por acaso o símbolo da representação da Morte, criada por Neil Gaiman em Sandman é o ahnk, ou a cruz de nó, símbolo da transformação que a morte proporciona. Além disso, a irmã do Sonho possui uma tatuagem no olho que representa o olho de Hórus, aquele que tudo vê e tudo sabe e que guia, junto a Rá, a alma das pessoas pelos submundos da noite e da morte.
Outra cultura que venera a morte, mas que tem suas raízes bem mais recentes é o movimento gótico. Esse movimento foi muito popular nos anos 80 e 90 e seus integrantes gostavam de escutar The Cure, Siouxie and The Banshees, entre outras bandas darks. Os góticos veneram a morte e, por isso, se encontram em cemitérios, vestem preto e usam muitas caveiras e cruzes. Talvez o gótico mais famoso do Brasil tenha sido o personagem Reginaldo, de Eri Johnson, na novela De Corpo e Alma, de 1992, que andava para lá e para cá com seu esqueleto, o Zé. Ele até tinha um gesto com a mão que foi muito copiado por aí. Era com esse público que Neil Gaiman conversava quando criou Sandman. Se hoje temos os emos, pensem nos góticos como emos hardcore, que gostam de sofrer, sim, mas que gostam do lado mais dark do sofrimento.
Neil Gaiman, junto com alguns escritores de Terror, como Clive Barker, foi um dos primeiros a apelar para o segmento infantil com temática gótica. Seu livro infanto-juvenil Coraline é um exemplo disso. Mas os livros infantis que ele escreveu também têm uma temática sombria. Um de seus maiores sucessos infanto-juvenis é O Livro do Cemitério, que conta como um bebê foi criado por monstros de um cemitério. “O horror na obra de Gaiman é domesticado e higienizado para gostos contemporâneos”, bem notou a jornalista Dana Goodyear.
Neil Gaiman trabalha conceitos imateriais e os transforma em pessoas, não apenas no caso da Morte, mas com todos os Perpétuos, há uma surpresa no modo como se portam, fazendo uma antropomorfização de emoções e ideias humanas. Uma coisa parecida foi engendrada no filme Divertida Mente, sobre emoções – Alegria, Tristeza, Medo, Nojinho e Raiva – que vivem na cabeça de uma menina. No caso da Morte, conceito domesticado por Gaiman, o velho homem de casacão, foice e cara esquelética se torna uma menina agradável que quer lhe dar a mão e levar para um passeio – ainda que sem retorno.
Enquanto a internet fala que as meninas fãs da Morte são geralmente garotas góticas e bissexuais com desordem de personalidade borderline, que são mestres no drama e destinadas a se tornarem as velhas dos gatos, Gaiman prefere dizer que Sandman é transmitido sexualmente. “Caras que querem que suas garotas leiam quadrinhos, provavelmente lhes darão Sandman para ler. O casal irá se separar e a garota levará Sandman e ‘contaminará’ o próximo cara. Isso cresce como um vetor”, nos diz o autor que também usou a Morte para explicar como prevenir DSTs em uma história de 1993, desenhada por Dave McKean. De acordo com Karen Berger, a primeira editora da Vertigo e editora da DC Comics por anos, Sandman é a primeira série moderna a atrair um número massivo de garotas, que, segundo Karen, irão entrar na comic shop e comprar Sandman e apenas essa revista.
Essa é outra transformação que a Morte provoca. Mas, no caso não é a morte cadavérica e sim a Morte que poderia ser sua irmã mais velha. E ela provoca no mundo dos quadrinhos, mudando bastante seu perfil de leitores. Para concluir, para não dizer que não falei da Vida, Gaiman escreveu os seguintes versos para que Tori Amos, sua grande amiga e música, fizesse a canção “Blueberry Girl” enquanto esperava sua primeira filha:
“Faça com que ela auxilie a si mesma, faça com que ela permaneça forte, / a auxilie a perder e a encontrar. / Ensine a ela que somos do tamanho dos nossos sonhos. / Mostre a ela que a sorte não enxerga.”
“Help her to help herself, help her to stand, / help her to lose and to find. / Teach her we’re only as big as our dreams. / Show her that fortune is blind.”
Republicou isso em xykosanto.
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Meus problemas com Sandman me impedem de dar um parecer sobre isso,mas o texto esta muito bem escrito.
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Hahah, valeu, Wen! Abs!
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