Mês: maio 2013

Coisas belas e sujas – 05 – Jill Thompson

Outra pessoa que fez o caminho inverso – mas nesse sentido mais na mudança do público-alvo – foi Jill Thompson, conhecida por seu trabalho com Sandman, sua criação Minha Madrinha Bruxa (Scary Godmother), e também por ser esposa de Brian Azzarello. Jill pegou as histórias densas e complexas do universo do senhor dos sonhos e as adaptou para o público infantil nos seus traços suaves e coloridos por aquarela. Ela publicou Os Pequenos Perpétuos (2001), contando a busca de Barnabas por Delírio, passando por todos os reinos dos Perpétuos. Depois, fez uma sequência de mangás voltados para garotas. Ela adaptou o arco Estação das Brumas, em Morte: A Festa (2003) contando a história através do ponto de vista da irmã favorita de Sonho. Seu terceiro trabalho adaptando os personagens do Sonhar para as crianças foi Dead Boys Detectives (2005) em que os garotos detetives mortos precisam investigar um mistério em uma escola só de meninas, e assim, precisam se disfarçar como elas. Este mangá tem muitos elementos semelhantes a Love Hina, de Ken Akamatsu, tanto …

Coisas belas e sujas – 04 – Sweet Tooth – Depois do Apocalipse

Outra série da Vertigo que eu gostaria de destacar faz o caminho inverso. Ela não traz desenhos fofinhos, ela não se apropria de histórias de outras histórias, sim, ela também, de certa forma, discute fantasia x realidade, mas esse não é o ponto em que eu quero chegar. Diferente das outras série citadas aqui (Lost Girls, Fábulas e O Inescrito), Sweet Tooth, criada por Jeff Lemire em 2009, não apresenta ao seu redor nenhum resquício de um mundo de finais felizes e atmosfera infantil. O mundo que a série de Lemire nos traz é um cenário pós-apocalíptico, onde a maioria das pessoas morreu após uma praga. Uma das consequências dessa praga foi o nascimento de crianças híbridas, meio-homens, meio-animais. Isso já é o grotesco o suficiente para tirar o leitor da sua realidade e dizer opa, tem algo, muito estranho acontecendo aqui. E aí você pergunta: o que Sweet Thooth está fazendo junto com essas séries? O que ela tem de infantil? O que nela perverte a imaginação inocente? A resposta está no seu protagonista, …

Coisas belas e sujas – 03 – O Inescrito

Voltando a quem veio primeiro, o que plagiou o que, e qual é a originalidade da proposta, outra série da Vertigo, O Inescrito (The Unwritten, 2009), de Mike Carey e Peter Gross, não tem vergonha de admitir que seu personagem principal seja explicitamente inspirado em Harry Potter. Só que, prestem atenção, esse Harry Potter existe no mundo real. Outra vez o choque realidade versus fantasia, o mundo infantil versus o mundo adulto: Tom Taylor, filho de Wilson Taylor, foi quem inspirou o pai a criar a série de livros com o personagem mágico Tommy Taylor. Entretanto, após descobrir que criatura e muso inspirador estavam intimamente ligados, Tom inicia uma jornada para descobrir a verdade sobre si mesmo. Uma coisa um tanto desconstrutiva da parte dos autores, mas eles vão além, muito além do que ficar discutindo a natureza da “verdade” sobre o protagonista. É uma espécie de metalinguagem da metalinguagem. Uma história sobre todas as histórias já contadas no mundo, como elas se conectam e qual exatamente a sua função e seu poder sobre nós, …

Coisas belas e sujas – 02 – Fábulas

Nessa onda de reinterpretar os contos de fadas para um contexto adulto, surgiu a série Fábulas, criada por Bill Willingham em 2002. A série conta a história de vários personagens dos contos de fadas, fugidos de suas Terras Natais, que encontraram morada em Nova York, num povoado secreto chamado a Cidade das Fábulas. Lá, todos os personagens tiveram, ao longo dos anos, que se adaptar ao mundo real. Branca de Neve, por exemplo, é a vice-prefeita da Cidade das Fábulas e Bigby Lobo (O Lobo Mau) é o xerife, que cuida dos crimes perpetrados pelas fábulas “más” e também mantém a segurança e o sigilo daquele universo tão peculiar. Há o cafajeste Príncipe Encantado, que, diferente das historinhas, pegou todas as princesas da DisneyTM, e os bizarros habitantes da Fazenda, uma comunidade isolada onde as fábulas não-humanas podem vivem “livremente” em nosso mundo. A série de Willingham preencheu o vácuo de histórias de fantasia deixado por Neil Gaiman após o encerramento de Sandman. Até hoje a série recebeu 14 vezes o prêmio Eisner. Paulo Ramos, …

Coisas belas e sujas – 01 – Lost Girls

Ou quando a ternura e a rispidez se encontram, ou o lado negro das coisas bonitas. Bem, o que eu quero falar aqui nestes posts é sobre uma espécie de subgênero que algumas séries da Vertigo parecem estar se encaixando. Trata-se do velho embate entre o mundo infantil e o mundo adulto, no caso das séries da linha de quadrinhos adultos da DC Comics, a temática e/ou o visual cute versus a sordidez das situações e das palavras que os personagens proferem. Mas antes de falarmos da Vertigo em especial, queria chamar atenção para a obra Lost Girls, de Alan Moore e sua atual esposa, Melinda Gebbie. A história é uma homenagem à história da pornografia em geral, seguindo a tradição das Tijuana Bibles, porém sob a óptica das experiências sexuais de três personagens de contos de fada: Alice, Dorothy e Wendy. Os desenhos de Gebbie são coloridos, seus traços são um bocado infantis, porém retratam as mais diversas experiências sexuais das garotas durantes seu crescimento e amadurecimento. Moore escolheu estes três trabalhos por serem …

Imitações Baratas das Tartarugas Ninja

As Tartarugas Ninja (Teenage Adolescent Mutant Ninja Turtles) foram um sucesso extraordinário quando forma laçadas, chupando elementos de X-Men, Ronin, Demolidor, Batman e usando o estilo underground, o grupo formado pelos cascudos Michelângelo, Donatello, Leonardo e Rafael conquistou gerações desde os anos noventa. Ganharam filmes, animações, jogos, videogames, bonecos de ação, quadrinhos (vários quadrinhos), mas principalmente muitas paródias querendo faturar em cima do sucesso das criaturas de Kevin Eastman e Peter Laird. Aqui vão algumas delas:

Roteiristas contemporâneos e seus momentos grotescos

As sensações que a estética grotesca nos causa ainda é a mesma: o estranhamento, ou o nojo, a melancolia e até mesmo a culpa. Um bom exemplo disso são as campanhas da Benetton, do final da década de 90, realizadas por Oliviero Toscani. O fotógrafo, na contramão da publicidade, queria usar imagens que despertassem alguma mudança de comportamento no público que as via. Por isso buscou em imagens polêmicas como um homem agonizando, um padre beijando uma freira, corações humanos, camisinhas, um bebê recém-nascido. Foi um dos primeiros a se utilizar de uma publicidade não-comercial, porém que acabou lucrando em cima do sofrimento humano. Toscani defende que sua publicidade e suas fotografias revela um lado do humano que a maioria das pessoas não é capaz de suportar e que estaríamos ignorando que o mundo é feito de mais anomalias do que se pensa. O grotesco e o surreal agora fazem parte de uma nova estratégia de publicidade. A publicidade grotesca de Toscani criou escola e é uma das poucas publicidades capazes de identificar um estilo, …

10 Motivos que tornam A Saga do Monstro do Pântano um quadrinho fundamental

No post anterior havia dito que o grotesco mudava sua cara com as histórias do Monstro do Pântano. Aqui vão algumas razões: A série foi um perfeito veículo para Moore. Apesar de ter a participação esporádica de super-heróis da DC, geralmente mantinha-se independente deles, dando a base para a origem da linha Vertigo.  Ajudou a tornar os quadrinhos mais sofisticados, focando num público adulto.  Foi a primeira história em quadrinhos de horror a aproximar-se de uma perspectiva literária desde os quadrinhos da EC Comics.  A história trazia uma mensagem subjetiva hippie de paz, amor e harmonia, enquanto a criatura percorria uma área incomum do universo de horror.  Iniciou uma tendência, depois continuada por Neil Gaiman, de unir o vasto rol de personagens sobrenaturais da DC Comics e interligá-los.  Fez as vendas saltarem de 17.000 para 100.000 exemplares, levando a DC a colocá-lo para roteirizar histórias de personagens mais conhecidos. Foi um dos primeiros quadrinhos da “invasão inglesa”, cujo objetivo era trazer quadrinistas ingleses, conhecidos por seus trabalho em revistas como 2000 A. D., para retrabalharem …

Breve História do Grotesco nos Quadrinhos Americanos

Antes de entrarmos na área dos quadrinhos, seria interessante traçarmos uma definição de Grotesco. Segundo Thiane Nunes em seu livro Configurações do Grotesco, “O Grotesco marca a modernidade, principalmente pela dissonância que revela entre o homem e o mundo. É uma marca de mal-estar. Quando o que se é familiar se torna estranho ou sinistro, as proporções naturais se dissolvem, dando lugar ao sonho, à imaginação ou à realidade que transcende a normalidade”. Assim exposto como o Grotesco marcando a modernidade, é seguro afirmar que quando mais avançamos no tempo, mais representações do grotesco teremos em nossa sociedade. Não por acaso, aconteceu a mesma coisa com os comics, uma forma de arte e expressão recente, que, como todas as artes, teve sua dose de crítica e castração, mas acima de tudo sempre foi considerada uma arte menor, devido aos preconceitos de público, formato e difusão enquanto cultura massificada. Por isso, expor o grotesco nos quadrinhos sempre foi uma contradição devido a esses preconceitos, porém, segundo o esteta francês Jean Onimus: “o grotesco é um estado …

Duas obras sensacionalmente grotescas

Esse mês li dois quadrinhos extremamente polêmicos e que poderiam ser considerados grotescos por muita gente. O primeiro deles é o mangá de Hideshi Hino, Panorama do Inferno. Publicado originalmente em 1983, o mangá conta a história de um pintor que vive nos arredores do inferno e faz pinturas que retratam partes do local da danação final. Entre corpos sem cabeça, guilhotinas, crematórios e sofrimentos, o pintor conta a história de sua família, primeiro de seus parentes próximos e depois das várias gerações de sua família que usam uma tatuagem. O interessante é que Hino usa na história parte de sua experiência pessoal durante a Guerra da Machúria para expor o inferno. A imagem acima é uma das pinturas de Hino retratando o inferno. Seu traço no mangá, entretanto, é cartunesco, por isso suas visões se tornam ainda mais terríveis. Outra HQ que li foi Marshal Law, de Pat Mills (Sláine) e Kevin O’Neill (A Liga Extraordinária), de 1987. Mills sempre foi um autor que detestou super-heróis e neste quadrinho ele conta a história de …

Coadjuvantes Cômicos e Cheinhos da Era de Ouro

Desde Robin tem sido assim, quando se discute os companheiros dos paladinos da justiça logo se vêm à mente crianças ou adolescentes belos, saudáveis e habilidosos que se arriscavam ao lado dos heróis e tomavam para si a identificação do leitor. Mas nem sempre foi assim. Muitos heróis durante a Era de Ouro, ao contrário de terem como sidekicks jovens aprendizes, contavam com a ajuda de adultos, na maioria com alguns quilos a mais e que proporcionavam o alívio cômico em suas histórias de aventura. Para começar, Batman tinha Alfred, que diferente do esguio serviçal retratado hoje em dia era um rotundo inglês com ácidas palavras capazes de constranger até o Cavaleiro das Trevas. Johnny Quick tinha Tubby Watts. E como um efeito retardado desta onda até Lois Lane, lá pelos anos 70 tinha uma amiga gordinha com o sugestivo nome de Marsha Mellow. Os amigos gordinhos e engraçados foram um aspecto muito característico dos quadrinhos de super-heróis durante os anos 40, inspirados em grande maioria por comediantes da época não negavam a origem do …

Sexo, Humor e Estilo em Tension de La Passion, da Beleléu

Assim como a música Sabão Crá-Crá, dos Mamonas Assassinas, Tension de La Passion, do coletivo Beleléu, envolve sexo, humor e variações de estilo, só que na forma de quadrinhos. Sem nenhuma pretensão a não ser fazer uma sátira aos romances melosos, também conhecidos como romances de banca, ou romances “cachaça” (como Bianca, Júlia e Sabrina), Tension de La Passion mostra várias formas de se interpretar graficamente uma história em texto. No caso, a história é a seguinte: “A noite me envolvia, quando François apareceu, misterioso e sedutor. Nossos corpos trêmulos se tocaram. No estupor do momento, perdi a razão. Nunca mais o vi, jamais o esqueci”. São muitos os artistas convidados para ilustrar o texto de Stêvz: Daniel Carvalho, Daniel Lafayette, Eduardo Arruda, Eduardo Belga, Elcerdo, Koostela, Ltg, Mateus Acioli, Pablo Carranza, Rafael Campos Rocha, Rafael Sica e o próprio Stêvz. A edição é um caderninho quadrado, impresso em magenta sobre papel pólen. Alguns exemplos da interpretação dos desenhistas para a história seguem ao longo do post, mas eu queria falar um pouco mais desses …

“O mangá é minha esposa e o anime é minha amante”, por Osamu Tesuka

“Eu sempre produzo vários mangás ao mesmo tempo. Criá-los em paralelo é como uma catarse para mim. Quando sou obrigado a me concentrar em um só tema, acabo frustrado. Em outras palavras, sou do tipo que gosta de se envolver com muitas coisas ao mesmo tempo. Isso serve para arejar a cabeça. Enquanto escrevo a história A, vou inserindo em B elementos que não exitem em A. Quando me canso de A, espaireço me concentrando em B. É assim que faço. Minhas obras sempre têm um caráter ou muito positivo ou muito negativo. É um exemplo meio estranho, mas o escritor Morio Kita sempre diz que suas melhores obras nascem quando ele está transitando entre o estado de depressão e o de euforia, porque as emoções são instáveis. Por isso eu tento me manter sempre instável. Concentrar-se em apenas uma coisa é sinônimo de fechar-se em um único ambiente. É de um estado constantemente mutável que nascem as ideias mais livres e criativas. Desenho uma comédia ao mesmo tempo em que publico um drama; crio …