Análises, atualidades, destaque, fique de olho, games, literatura, quadrinhos, Quadrinhos Comparados
Comentários 8

Quadrinhos Que Não São Quadrinhos (Para Mim)

Existem alguns quadrinhos que, quando eu olho, não me dão vontade de ter e nem de colecionar. Por uma simples razão: eles não parecem quadrinhos pra mim. É um sentimento esquisito, mas que tentei explicar com algumas teorias da comunicação, bem como dar exemplos de quadrinhos que me fazem sentir assim. No pulo, a explicação.

Os quadrinhos que me fazem pensar dessa forma, geralmente tem uma origem diferente do que a primária no papel. Eles vêm de outras mídias: da web, da TV, dos games, dos livros ou da música e parecem ter menos apelo com os colecionadores de quadrinhos do que com o público leigo nessa mídia em geral. Essas obras ficam fora da esfera dos quadrinhos, do mundo dos entendidos e aficcionados e criam uma esfera totalmente nova e separada dos outros, como algo de consumo generalizado.

Os quadrinhos de games da internet e de aplicativos como Plants vs. Zombies, Zombies vs. Robots, Angry Birds e Minecraft, por exemplo. As bancas estão cheias de quadrinhos do Minecraft, mas eu não creio que esse tipo de quadrinho influencie as pessoas ou as crianças que os compram a irem atrás de outros tipos de quadrinhos. Se tornam apenas mais uma extensão do game do que qualquer coisa. Isso faz com que não apenas o meio quadrinho e esses quadrinhos que “não levam a nada”, percam sua aura, seu objetivo. Mas o que é essa tal “aura”? Vou tentar explicar resumidamente.

Durante a idade média e o renascimento, os mestres ensinavam seus discípulos através da imitação. Porém, com o advento das artes gráficas, primeiro com a xilogravura e depois a litogravura, se tornou possível que a escrita e, mais tarde, as ilustrações, fossem reproduzidas. O filósofo Walter Benjamin diz que o processo de reprodução de imagens foi tão acelerado, que alcançou a velocidade da fala. No início do século XX, a reprodução técnica começa a conquistar seu próprio lugar entre as artes como o design gráfico e o cinema.

NAOwalter

O filósofo Walter Benjamin

A obra atualiza sua reprodução em cada uma das situações que se apresenta. O valor de uma obra de arte autêntica tem seu fundamento no ritual que a originou. Por isso alguns quadrinhos funcionam muito melhor na web do que os publicados em papel. São os casos do quadrinhos que saem em tirinhas periódicas em redes sociais e em sites da internet como do Cyanide & Happiness e Ninguém Vira Adulto de Verdade. Esses quadrinhos, para mim, não parecem quadrinhos, não tem o seu valor como arte, não tem sua “aura” e o não abrem o caminho para que buscamos outro tipo de produção dentro do mesmo meio. Para Benjamin a reprodução da obra de arte através de mecanismos a desvalorizam e ela perde sua autenticidade, liberta o objeto do domínio da tradição. Na fotografia a exposição massiva afasta o valor de culto e se torna o último refúgio da aura.

NAOcianeto

Uma das grandes contribuições de Benjamin para a Escola de Frankfurt foi a teoria de que a obra de arte perde a sua aura quando replicada muitas vezes. O que dizer, então, dessas tiras de quadrinhos que são compartilhadas tantas vezes nas redes sociais como essas? Elas acabam perdendo a sua autoria e passam a ganhar posse daqueles que as compartilham. Já não são mais do autor, mas de uma comunidade de autores. Por isso, perderiam sua “aura”, a intenção original da obra de arte. A aura seria a autenticidade de cada obra, aquilo que as tornam únicas e valiosas.

Walter Benjamin diz que a experiência de uma obra de arte só será completa quando ela for além do visual, ou seja, da contemplação. Por isso, talvez, essa necessidade para mim de que a obra possua uma base física, um “simulacro”, para se tornarem legítimas. As novas mídias rejeitam valor de culto tornando a obra de arte banalizada. É o caso da quadrinização do livro Fazendo Meu Filme, de Paula Pimenta. Um quadrinho que, dificilmente vai atrair a atenção de aficcionados do gênero e quiçá àqueles que leram os livros. Os que lerem este quadrinho, não serão incitados a buscar nem mais quadrinhos e nem mais livros, porque eles não são uma coisa nem outra.

O você? Concorda com essa minha teoria ou discorda totalmente? Tem algum quadrinho que não é quadrinho para você? Conte-me tudo, não esconda nada! Deixe seu comentário! Abraços submersos!

por

Guilherme “Smee” Sfredo Miorando nasceu em Erechim em 1984. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, onde pesquisa quadrinhos e sexualidades. É especialista em Imagem Publicitária e bacharel em Publicidade e Propaganda. Ministra aula de quadrinhos e trabalha com design editorial e roteiros. Já trabalhou em museus e com venda de livros e publicidade. É pesquisador associado do Cult de Cultura e da ASPAS (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial). Faz parte do conselho editorial da Não Editora. Co-roteirizou o premiado curta-metragem Todos os Balões vão Para o Céu. Seu livro de contos Vemos as Coisas como Somos foi selecionado pelo IEL-RS em 2012. A partir de 2014, publicou ao menos um quadrinho independente por ano. Loja de Conveniências, sua primeira narrativa longa foi lançada em 2014. Em 2015 participou da coletânea de HQs LGBT Boys Love. Em 2017 colaborou com o quadrinho A Liga dos Pampas de Jader Corrêa, que explora mitos gauchescos. Também lançou Desastres Ambulantes em parceria com Romi Carlos, um quadrinhos sobre segunda guerra mundial e OVNIs, que foi selecionado pelo edital estadual PROAC/SP. Em 2017, publicou Abandonados Pelos Deuses: Sigrid, com Thiago Krening e Cristian Santos e também Fratura Exposta: REDUX com Jader Corrêa. Também escreve os roteiros para os super-heróis portoalegrenses Super Tinga & Abelha-Girl. Mantém o blog sobre quadrinhos splashpages.wordpress.com há mais de 10 anos.

8 comentários

  1. Rodrigo Siqueira diz

    Concordo parcialmente… Vejamos, a parte da apropriação e compartilhamento viabrede social é bem evidente. Ninguém se preocupa em creditar o autor da Charge, acha a piada genial, se apropria dela e passa adiante. Mas no tocante a reprodução massiva, os próprios quadrinhos, os que achamos Arte passam por esse processo. E se hoje não tem o alcance que deveriam, ao menos no passado foram massivos. Isso não tira por exemplo a “Turma da Mônica” dos irmãos Caffagi do status de obra de arte. E já estão na segunda edição. Sei que a obra impressa não tem o caráter de apropriação do compartilhamento digital mas Benjamin também não conhecia essa realidade e o exemplo dele então se aplicados a qualquer reprodução. Todo o resto eu concordo. Eu criança lia quadrinhos e além dos tradicionais da Marvel e DC, comprava Comandos em Ação e Transformers. Eu já era leitor de quadrinhos. Na escola, todos os moleques compravam Comandos em Ação e Transformers. A febre passou, essas HQs acabaram e eles largaram os quadrinhos(e olha que Comandos em Ação errando Larry Hama e todos tinham o selo Stan Lee de qualidade – o que para eles nem era nada – além da aparição do Homem-Aranha com uniforme de simbionte na HQ dos Transformers).

    Curtir

    • Guilherme Smee diz

      Sim, Rodrigo, tem muitos pontos a serem analisados. Vou até colocar o mea culpa que escrevi pro Yoshi, pra não dar confusão com as pessoas. Abraços!

      Curtir

  2. Discordo, totalmente, o negócio é, se usa linguagem de quadrinho é quadrinho.
    Não é porque um filme é derivativo, ou que é um filme de arte, ou que o mesmo seja feito com um fim específico ele deixa de ser um filme.
    Muitas vezes a coisa entra no cerne do “isto não foi feito pra mim”.

    Ah… gostei no novo visual do site.

    Deixo uma pergunta:
    Filmes Documentários, são filmes?
    a) Sim, pois fazem uso da linguagem e narrativa que é inerente do “ser filme”.
    b) Não, pois não passam no cinema, possuem proposito e público específico, não é feito para os cinéfilos.

    Curtir

    • Guilherme Smee diz

      Valeu pelo elogio, Isaura! Sim, é uma discussão bem polêmica. Documentários são filmes? Depende pra quem você pergunta! 😉 Abs!

      Curtir

  3. Guilherme Smee diz

    MEA CULPA:
    Não acredito que esta seja a opinião generalizada e nem que estes não sejam quadrinhos. Mas é uma impressão que eu tenho de não levar em conta esse tipo de quadrinho. Primeiro porque não me atrai e segundo porque não me parece autêntico.

    Mas outros já disseram que não consideram quadrinhos infantis, outros, mangá. E assim vai. Foi só um artigo de opinião. Não estou desmerecendo os trabalhos, só não me passam a impressão de comunicar com o público colecionador e sim com a grande massa. Isso, entretanto,em termos comerciais é um mérito. Cyanide e Ninguém Vira Adulto funcionam muito bem na web e são megapopulares. Minecraft faz sucesso com crianças. Pimenta faz sucesso com pré-adolescentes.

    Mas todos tem um ponto em comum: não usam os quadrinhos como sua mídia de apoio principal, por isso, para mim, são menos autênticos. Outros, poderiam pensar que quando os super-heróis foram para a telona, se tornaram menores, assim como Benjamin achava que a obra de arte, ao ser reproduzida graficamente, perdia o seu valor. Esse foi meu comparativo.

    É uma perspectiva apocalíptica? É uma perspectiva apocalíptica. Mas me permita ser um pouco isso, quando eu tento exaustivamente ser integrado em quase tudo que eu escrevo. Todo mundo tem seus preconceitos. E o meu é com esses quadrinhos. Foi só uma tentativa de justificar minha opinião preconceituosa e desagregadora com uma crítica academicista famosa por ser preconceituosa, desagregadora e, o pior, servir às elites. Coisa que nenhum desses quadrinhos faz.

    Curtir

  4. Gostei, Smee!
    Eu penso que esse tipo de quadrinhos é um fenômeno de banalização das HQs. Assim como aquela leitura de casa de praia, “Julia” é a vulgarização do romantismo da Literatura.
    Não é errado se aplicar nesse ramo, mas… convenhamos, quem gosta de HQs não curte esse “novo método” de atrair público.
    Então eu concordo, isentando-me das generalizações, que esses quadrinhos não sejam quadrinhos “de verdade”. São como planfletos de um produto muito maior.

    Curtir

Deixe um comentário, caro mergulhador!

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.