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Por Que Batman e Robin têm Fama de Gays?

Não, amiguinho, a dupla dinâmica não é um casal gay. Embora todo mundo ache. E quando eu digo todo mundo, pode perguntar pra sua mãe, seu avô, seu vizinho, seu colega de trabalho. Sim, eles até tinham uma esquete na Praça é Nossa em que eram um casal homossexual, fora muitas retratações desse fato como paródias na cultura popular. Mas de onde vem essa fama? Saia comigo desse armário que eu vou te contar esse baphão!

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My heart will go on and oooon!

Para começar, vamos deixar claro umas coisas: Batman e Robin não são um casal, nenhum deles é gay e o Robin não é mais gay por ser o passivo. Algumas provas que podem associar a dupla dinâmica às práticas homossexuais são várias.

Logo na estreia de Robin, em 1940, depois dos pais do garoto terem morrido em um acidente no trapézio, Bruce Wayne declara: “Vou te esconder na minha casa por uns tempos!”. Hummm… Clandestinidade! Gays no armário, enrustidos! Durante os anos 40 e 50, Batman e Robin passaram muito tempo sozinhos numa mansão imensa. E juntos, passaram muitas horas de lazer – eu ouvi alguém dizer romance? Em Batman #13 (1942), Bruce Wayne e Dick Grayson estão andando num barco à luz do luar, relaxando, quando o batsinal os chama para a ação.

Outro painel que revela a intimidade do casal dinâmico se dá em World’s Finest #59 (1952). A dupla está nua, sob uma cama de massagem, com apenas uma toalha tampando seu traseiro. Os dois estão languidamente tomando um banho de sol. Mas, poxa, lá vem de novo aquele empata-foda do batsinal para cortar todo o clima sensual.

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Tomo banho de lua, fico branca como a neve…

Também inúmeras tramas mostravam Robin com ciúmes dos interesses amorosos do Batman – principalmente a Mulher-Gato – e com medo de que ele fosse substituído por um outro sidekick. Muitos quadrinhos mostravam o Batman rejeitando o Robin como seu parceiro. Ao que restava ao menino-prodígio subir para o seu quarto, com lágrimas nos olhos.

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Que felicidade em levar umas palmadas, hein, Dick!

Claro que isso foi acentuado e se tornou vivo na memória coletiva da população quando em 1954, o psiquiatra Fredric Wertham publicou o famigerado livro A Sedução dos Inocentes. Este livro, entre outros feitos contra os quadrinhos, promoveu uma caça às bruxas a essa mídia. Pessoas queimavam quadrinhos em praça pública porque em se livro, Wertham afirmava que eles influenciavam a delinquência juvenil.

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Eike gangorra boa!

Wertham denunciou a homossexualidade de Batman e Robin em suas histórias em extensas quatro páginas do livro. Lá, ele chama a atenção dos leitores para a decoração da Mansão Wayne, “com belas flores e enormes vasos”. Também fala que a convivência de Wayne e Grayson a sós numa mansão seria “o sonho e o desejo de dois homossexuais vivendo juntos”. Bem, como diz o Comissário Gordon “essa porra não prova nada”. O fato é que Fred Wertham foi um dos primeiros caras na história a promover o shipp entre personagens de quadrinhos.

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Um banho gelado para acalmar a periquita do Batman.

Quando o senado foi investigar as acusações de Wertham, ele trouxe para a comissão a revista Batman #84, que saia nas bancas justo naquele momento e mostrava Bruce e Dick juntos na cama. Na história chamada “Dez Noites de Medo”, se você reparar bem, a dupla dinâmica está em cama separadas, mas lado a lado, e o desenho dá a impressão de serem uma só. Mas para censores, achar cabelo em ovo está na ordem do dia.

“Manhã”, começa a narração. “E começa como qualquer outra manhã de rotina na vida do milionário Bruce Wayne e sua ala, Dick Grayson …” Nós somos explicitamente informados de que esta partilha da cama de Bruce é uma bat-prática comum. “Vamos, Dick!”, Diz Bruce, bocejando. “Um banho frio, um grande café da manhã!”

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Na mesma praça, no mesmo banco, na mesma Mansão Wayne…

Ao analisar a carga homoerótica nas histórias do Batman, o articulista Glenn Weldon declarou:

Lembre-se: leitores queer não viram nenhum vestígio de si mesmos representado nos meios de comunicação de massa desta época, e muito menos de suas histórias em quadrinhos. E quando o público queer não se vê em um determinado trabalho, olhamos mais profundamente, analisando todas as trocas pelo menor sinal de algo que reconhecemos. É por isso que, como um meio visual preenchido com pistas silenciosas como linguagem corporal e detalhes de fundo, os quadrinhos de super-heróis provaram um vetor particularmente fértil para leituras gays ao longo dos anos. As imagens podem afirmar camadas de significados não ditas que meros comentários nunca podem conjurar. Esse painel de um Bruce e Dick que se jogava juntos em seu solário, por exemplo, não carregaria a potente carga homoerótica que faz, eram a mesma cena simplesmente descrita na velha e linda prosa.

Nos anos 60, com a popularidade do seriado Batman, que vendia uma estética camp – muito associada à queerness – não só a dupla dinâmica ficou mais famosa, como a sua fama de casal gay também. O engraçado disso tudo é que a gayzice do Robin ficou acentuada, enquanto o Batman passou incólume. Isso se explicaria porque Robin seria o passivo da relação, ou seja, aquele que dá. Afinal, quem come não é gay. Claro que não! Agora lembro da história de um amigo meu que tinha o boneco do Robin da coleção Superamigos. O pai dele dizia que era para bater no boneco do Robin, porque ele era gay. Resultado: hoje esse meu amigo é gay assumido.

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Pega direito na minha corda, Robin!

Em um artigo para o site gay, NewNowNext, o articulista Adam Salandra revelou essa história. Em 1967, Paul Sann escreveu um livro sobre modismos que estavam em voga na América da época. Uma das ideias de Sann era que o Batman e seu seriado eram um símbolo da homossexualidade. Infelizmente, Bob Kane foi consultado e veio com a seguinte citação.

“Batman é a epítome da virilidade e da masculinidade – justamente o oposto da imagem das bichas!”

Além de não parar por aí, usando palavras de baixo calão e deixando o autor do livro espantado, Kane também completou dizendo o que ele achava dos estudos do psiquiatra Fredric Wertham. 

“Wertham viu homossexualidade nisso tudo porque havia um homem e um garoto vivendo sozinhos numa mansão – dormindo juntos no mesmo quarto – com apenas um mordomo e nenhuma mulher ao redor. Mesmo assim, eu imagino que os homossexuais gostam do programa da TV por causa das roupas apertadas que Adam West e Burt Ward vestem. Eu imagino eles sentados ao redor da televisão, esbofeteando uns aos outros, de joelhos, dividindo a alegria de tudo aquilo!”

Pois é Senhor Kane, o senhor tem tanto horror às práticas gays, mas imagina algo muito mais perverso para os gays, e ainda se deliciando com tudo aquilo que você imagina. Na escala da gayzice, imaginar essas coisas faz o senhor quanto por cento gay?

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Robin como daminha de honra.

“Mas o que se pode fazer a respeito disso tudo?”, continua Kane, explicando que não conseguiu bolar um jeito de evitar que os gays curtam sua criação, “Eu não posso mudar esses personagens, porque, em primeiro lugar, eles não são homos, e porque você precisa ser louco para lutar contra o sucesso”.

Outros autores do Batman ao longo do tempo vetaram a questão de uma relação homossexual entre o homem-morcego e o menino prodígio, como Frank Miller, Alan Grant, Dennis O’Neil, Devin Grayson – apesar de Grayson declarar que “poderia entender as leituras gays”. Nos tempos de hoje, o escritor escocês Grant Morrison explicou que a associação ao universo dos gays é essencial para o Batman em um entrevista para a revista Playboy em 2012:

“A ‘gayzice’ é construída em Batman. O Batman é MUITO, muito gay. Obviamente, como um personagem de ficção ele foi feito para ser heterossexual, mas a base inteira do conceito é completamente gay. Eu acho que é por isso que as pessoas gostam deste fato. Todas essas mulheres gostam dele e todos eles usam roupas de fetiche e pulam pelos telhados para pegá-lo. Ele não se importa – ele está mais interessado em sair com [Alfred] e [Robin]”.

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“Robin, o que eu fiz com você?”

Então, gente, o Batman NÃO É GAY, embora todas as pistas digam que sim.

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Mama romama mamilos uhlala!

por

Guilherme “Smee” Sfredo Miorando nasceu em Erechim em 1984. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, onde pesquisa quadrinhos e sexualidades. É especialista em Imagem Publicitária e bacharel em Publicidade e Propaganda. Ministra aula de quadrinhos e trabalha com design editorial e roteiros. Já trabalhou em museus e com venda de livros e publicidade. É pesquisador associado do Cult de Cultura e da ASPAS (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial). Faz parte do conselho editorial da Não Editora. Co-roteirizou o premiado curta-metragem Todos os Balões vão Para o Céu. Seu livro de contos Vemos as Coisas como Somos foi selecionado pelo IEL-RS em 2012. A partir de 2014, publicou ao menos um quadrinho independente por ano. Loja de Conveniências, sua primeira narrativa longa foi lançada em 2014. Em 2015 participou da coletânea de HQs LGBT Boys Love. Em 2017 colaborou com o quadrinho A Liga dos Pampas de Jader Corrêa, que explora mitos gauchescos. Também lançou Desastres Ambulantes em parceria com Romi Carlos, um quadrinhos sobre segunda guerra mundial e OVNIs, que foi selecionado pelo edital estadual PROAC/SP. Em 2017, publicou Abandonados Pelos Deuses: Sigrid, com Thiago Krening e Cristian Santos e também Fratura Exposta: REDUX com Jader Corrêa. Também escreve os roteiros para os super-heróis portoalegrenses Super Tinga & Abelha-Girl. Mantém o blog sobre quadrinhos splashpages.wordpress.com há mais de 10 anos.

7 comentários

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  6. Marcia Souza Ravaglio diz

    A DC Comics perde um grande potencial de vendas ao não criar um universo alternativo Boy’s Love para seus personagens, há muitos quadrinhos de fãs com histórias e arte muito boas praticamente prontos para publicação. Esse universo alternativo, serviria também para mitigar as insinuações nos quadrinhos de linha. Já que eles não tem coragem de arriscar no maisntream, por que não ousar em uma linha alternativa?

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