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Superman sem Lois Lane é um Erro

Hoje é Dia dos Namorados. Então vamos falar de um dos casais mais emblemáticos dos quadrinhos: Superman e Lois Lane, ou Clark Kent e Lois Lane, como preferir. Um dos grandes problemas do Superman dos Novos 52 da DC Comics é que ele não possui um relacionamento com Lois Lane. Aliás, ele não tem nenhum interesse romântico fixo. Eu acho isso um erro gravíssimo para toda a mitologia do personagem, onde o interesse romântico de Clark por Lois possui um peso muito grande.

Joanne Carter, que serviu de inspiração para Lois Lane e depois se casou com Jerry Siegel

Joanne Carter, que serviu de inspiração para Lois Lane e depois se casou com Jerry Siegel

Vamos começar pela criação de Lois Lane. Nem todo mundo sabe, mas Lois foi inspirada em Joanne Carter, uma modelo contratada pelos criadores do Superman para emprestar o rosto e corpo a Lois, que era o amor platônico do criador e argumentista, Jerry Siegel, e depois veio a se tornar sua esposa. Mas Carter não foi a única inspiração. Outras delas foram Torchy Blane, uma personagem feminina forte, dos cinefilmes dos anos 1930 e Lola Lane, uma atriz que interpretou Torchy em uma ocasião. O background de Lois também tem influência na jornalista do mundo real Nellie Bly.

No início de suas histórias, Lois possuía um amor platônico (eitcha!) pelo Superman. Não por Clark Kent, o seu desajeitado colega jornalista da mesa ao lado vindo de uma cidade do interior chamada Smallville que ninguém ouvira falar. Ela suspirava mesmo era pelo intrépido herói de capa todo malhadão e definido do peito estufado que voava pelos céus e socava os malfeitores. A tadinha só não sabia que eles eram a mesma pessoa. Ah, se ela soubesse! Essa dicotomia é que dava toda a dinâmica para o casal e, porque não dizer, para a revista.

Lois com o ciumômetro; Lois cônica e cômica; Lois com o Superbebê; Lois a atrevidinha!

Lois com o ciumômetro; Lois cônica e cômica; Lois com o Superbebê; Lois a atrevidinha!

Lois Lane representava nas histórias do Superman, o “homem comum”, aqui homem é no sentido de humanidade, ok?! O homem comum que se depara com o maravilhoso e quer fazer parte dele, como deviam se sentir os leitores do início do Superman, embora se identificassem mais com Jimmy Olsen, o fotógrafo foca do Planeta Diário. Mas claro que as meninas também se identificavam com Lois e, numa época em que as garotas compravam gibis de romance à rodo, no final dos anos 50, surgiu a revista Superman’s Girlfriend Lois Lane, assim como existia a revista Superman’s Pal Jimmy Olsen.

A revista de Lois Lane seria politicamente incorreta hoje em dia por n razões. Um dos fatores que acarretavam isso era a natureza das histórias da revista: elas eram de fundo imaginário. Não aconteciam na continuidade normal. Era algo como: o que aconteceria se Lois tivesse os mesmos poderes de Superman? O que aconteceria se Lois Lane e Lana Lang tivesse os mesmos poderes de Superman e as duas brigassem por ele? O que aconteceria se Lois Lane e Superman tivessem um filho e ela tivesse que arrumar toda a bagunça do Superbebê? Tá rindo, mas é verdade. Eram assim as histórias. Assim como as meninas brincam de casinha e de boneca e os meninos de carrinhos. Brincar de casinha era o sinônimo da revista da Lois Lane dos anos 50.

“Superman, agora que eu sou negra e você é um branco, me diga: você quer ainda se casar comigo?” Fala sério, DC Comics!

Mas nem de longe esses eram os temas mais polêmicos. As capas de “Eu sou uma negra curiosa!” em que Lois mudava de raça e aquela capa em que os super-heróis fazem fila para beijá-la são algumas das mais medonhas.

É claro que com o passar dos tempos, o perfil da Lois Brincadora de Casinha foi mudando e ela se tornou uma mulher ousada e do Superman não queria mais nada. Ela começava mesmo era a se apaixonar por Clark e embarcar em aventursa cada vez mais ariscadas para conseguir uma boa matéria. Ela se tornou a Lois competitiva que era até o final da Era de Ouro, criando mais uma vez a velha dinâmica, mas de uma forma ainda maior. Era algo bem parecido com aquela versão vista no seriado de grande sucesso dos anos 90: Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman.

Teri Hatcher (a Lois da minha geração) e Dean Cain, em Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman

Teri Hatcher (a Lois da minha geração) e Dean Cain, em Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman

Muito dessa jogada de cabelo da Lois foi por conta de John Byrne, que repaginou o Supeman após a Crise nas Infinitas Terras. Ah, se a Internet existisse naquele tempo. John Byrne ia ser crucificado em praça pública, ou melhor, em Facebook público. Depois que Lois passou a “se contentar” com Clark, um belo dia o jornalista resolve revelar sua identidade secreta à amada. A senhorita Lane ficou com #donafloreseusdoismaridosfeelings . Tinha o carinha que ela adorava implicar todo dia e gerava uma tensãozinha sexual e também tinha o superomão gostoso colírio para o rala-e-rola.

Dona Flor e Seus Dois Maridos: Clark, Lois e Superman

Dona Flor e Seus Dois Maridos: Clark, Lois e Superman

Se você pensa que com o casamento a utilidade de Lois iria por água abaixo, está muito enganado. Ela se tornou uma personagem ainda mais forte, presença fixa nas histórias, se tornando ainda mais uma isca para os vilões, mas uma isca que sabe reagir, porque foi treinada pelo marido super-herói. Da mesma forma que Mary Jane não perdeu a graça quando se casou com o Homem-Aranha ao gritar “Vai nessa, gatão!”.

John Byrne garante que essa cena não estará em seus quadrinhos!

John Byrne garante que essa cena não estará em seus quadrinhos!

Lois Lane vai estar para sempre no imaginário popular como arquétipo do “interesse romântico” do herói. Aquele amor que está tão perto e, ainda assim, tão longe. Aquela pessoa que despreza a forma mundana do herói, mas vibra com seu lado super. Aquele serzinho que é tão importante para o herói que vira e mexe se torna a isca dos vilões, pois eles sabem de sua ligação com o herói e por isso a sequestram/atacam/ameaçam.

Lois Lane é peça chave na mitologia do Superman. Por essa razão, em toda adaptação do Homem de Aço para uma outra mídia, a personagem esteve presente. Por isso é de se estranhar tanto por que raios essa decisão editorial de limar seu relacionamento com o Superman. Isso também pode explicar porque as vendas dos títulos Supers vão tão mal e porque o Superman dos Novos 52 não funciona.

Futebol sem bola. Piu-Piu sem Frajola. Amor sem beijinho. Buchecha sem Claudinho. É o Super assim sem Lois Lane.

A encarnação mais sexy de Lois & Clark.

A encarnação mais sexy de Lois & Clark.

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Guilherme “Smee” Sfredo Miorando nasceu em Erechim em 1984. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, onde pesquisa quadrinhos e sexualidades. É especialista em Imagem Publicitária e bacharel em Publicidade e Propaganda. Ministra aula de quadrinhos e trabalha com design editorial e roteiros. Já trabalhou em museus e com venda de livros e publicidade. É pesquisador associado do Cult de Cultura e da ASPAS (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial). Faz parte do conselho editorial da Não Editora. Co-roteirizou o premiado curta-metragem Todos os Balões vão Para o Céu. Seu livro de contos Vemos as Coisas como Somos foi selecionado pelo IEL-RS em 2012. A partir de 2014, publicou ao menos um quadrinho independente por ano. Loja de Conveniências, sua primeira narrativa longa foi lançada em 2014. Em 2015 participou da coletânea de HQs LGBT Boys Love. Em 2017 colaborou com o quadrinho A Liga dos Pampas de Jader Corrêa, que explora mitos gauchescos. Também lançou Desastres Ambulantes em parceria com Romi Carlos, um quadrinhos sobre segunda guerra mundial e OVNIs, que foi selecionado pelo edital estadual PROAC/SP. Em 2017, publicou Abandonados Pelos Deuses: Sigrid, com Thiago Krening e Cristian Santos e também Fratura Exposta: REDUX com Jader Corrêa. Também escreve os roteiros para os super-heróis portoalegrenses Super Tinga & Abelha-Girl. Mantém o blog sobre quadrinhos splashpages.wordpress.com há mais de 10 anos.

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