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“O Escritório do Superman Não Emprega Mais Mulheres” e o Assédio no Mundo dos Quadrinhos

Na última semana, comentários no twitter de jornalistas de quadrinhos e uma matéria na revista Paste Magazine, retomaram a questão do assédio sexual no mundo dos quadrinhos. Dessa vez a polêmica foi do desmascaramento de um assediador contínuo nos escritórios da DC e convenções de quadrinhos: o atual editor da linha de Superman, Eddie Berganza.

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“Que mané!” “Total!”

Eddie Berganza é um competente editor, que já foi editor executivo da DC Comics, mas escândalos de assédios entre 2010 e 2014 acabaram afastando-o do cargo. Berganza foi responsável pelo renascimento do Lanterna Verde Hal Jordan nas mãos de Geoff Johns. Depois disso, ele foi realocado para a linha do Superman, para revitalizá-la. Assim ele chamou Joe Michael Straczynski para escrever tanto as revistas do Superman quanto da Mulher-Maravilha.

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O jornalista Nick Hanover entrega o nome de Berganza no twitter.

Semana passada, depois da demissão da editora da Vertigo – o selo adulto da DC Comics -, Shelly Bond, a então editora assistente de Berganza, Jannelle Asselin disse que foi uma das mulheres que delatou o assedio sexual do editor em 2010. Janelle achava um absurdo Shelly ser demitida enquanto a DC mantinha um assediador (até então incógnito) em seus escritórios. Quando a escritora e feminista Alex DeCampi foi demitida da revista digital da Mulher-Maravilha em 2015, declarou que “o escritório do Superman não emprega mais mulheres”, explicando que era uma política para a DC Comics manter Berganza na editora, mas sem mulheres a sua volta. “Nesse escritório há um assediador de mulheres com múltiplos incidentes no seu perfil de RH”, completa DeCampi, que se recusou a trabalhar para a DC novamente.

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Tem gente precisando de renascimento mesmo.

Eddie Berganza já esteve no Brasil várias vezes por trabalhar de perto com artistas como Ivan Reis e Joe Prado na revista do Lanterna Verde. Em muitas vezes, ele veio à convenções e eventos para avaliar portfolios de artistas brasileiros com o intuito de trabalharem para a casa de Batman, Superman e Mulher-Maravilha.

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Quem lambe quer chupar.

Cosplayers geralmente são assediadas sexualmente. Algumas vezes são execradas, como o caso da menina que se fantasiou de Estelar, dos Novos Titãs e foi xingada pelos convivas do evento por estar acima do peso. Uma outra menina, fantasiada da mesma heroina, foi lambida por um dos integrantes do programa Pânico na TV, da Rede Bandeirantes durante a Comic Con Experience de 2015. os integrantes do programa além de fazerem pouco dos fãs, ainda assediavam os cosplayers. O resultado: o programa foi banido para sempre do evento.

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“Você esteve distante desde o assédio sexual!”

O mundo dos quadrinhos já viveu muitos escândalos, como as acusações do escritor Brian Wood de assédio a uma fã na Nova York Comic Con de 2013. Ou então do artista Justiniano que possuía e fazia parte de uma rede de pornografia infantil, em 2014. Fora os milhares de assédios sofridos por garotas “normais” por caras “normais”, dentro do mundo das convenções, dos quadrinhos e de editoras. Eu garanto que você já presenciou um assédio no seu trabalho. Eu já. Geralmente são pessoas em posição de poder que acham que vão ganhar a pessoa fazendo comentários sexuais sobre ela na frente de toda a empresa. Mas para além do que eu acho, fui atrás das pessoas que são as maiores afetadas pelo assédio sexual: as garotas. E garotas do mundo dos quadrinhos para saber o que elas acham sobre toda essa situação. É como na música da Madonna. What if feels like for a girl. Ou seja, como uma garota se sente.

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Um dos detalhes do poster baseado em quadrinhos colocado nas estações de metrô no Cairo, Egito.

“É péssimo. Assédio é muito recorrente principalmente porque as mulheres precisam lutar mais para ter um espaço em um meio que é concorrido para todos. E é algo que a gente não consegue tirar debaixo dos panos justamente porque a mulher é vista como a culpada e o homem costuma estar em uma posição que ele pode te fechar as portas de vez. Não é à toa que a Janelle Asselin falou que a DC afastou e ainda afasta muitas mulheres que poderiam mudar a cara dos quadrinhos (que ainda são muito sexistas – não adianta negar).
O mercado dos quadrinhos (e o mundo todo, na verdade) ainda está repleto de pessoas -homens e mulheres, claro- com um pensamento muito antigo de que a mulher deve se submeter aos desejos dos caras. É por isso que mudanças boas têm durado pouco, sabe”. – Letícia Pusti, criadora da página de tirinhas Another Art Book.

“Berganza agora está trabalhando na linha do Superman. Eu já não leio essas revistas faz anos, já não me interessam e não me surpreende que haja assédio lá. Eu fico tri irritada com essas coisas e não tenho vontade de nenhuma aproximação literária com a DC”. – Ana ClaCla, desenhista da HQ À Beira de Mim Mesma.

“O assédio recorrente no mundo dos quadrinhos não para, muitas vezes fazendo muitas de nós nos perguntarmos se ainda está valendo a pena lutar. O que mais me preocupa é o caso de Shelly não ser o primeiro e provavelmente não ser o último, as coisas só pioram na DC à olhos vistos. Logo, muito mais coisas devem estar debaixo do tapete. Desde o primeiro escândalo envolvendo a demissão de muitas mulheres nas redações da DC Comics os casos não param Em tempos de mulheres cada vez mais assumindo seu lugar devido no mundo dos quadrinhos (vide o grande número de nomeação no Eisner Awards), a DC anda na contramão de tudo que pode indicar um crescimento e amadurecimento nesse meio”. – Annie Ruaro, mutante, mochileira galáctica e designer de moda.

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Metrô do Cairo. Foto: Ahmad Nady.

Enquanto nos Estados Unidos e no Brasil acontecem coisas como essas, no Egito, 93,7% das mulheres são assediadas nas ruas, enquanto que 91% se sentem inseguras de andarem sozinhas. Assim, o metrô do Cairo inciou uma campanha contra o assédio sexual às mulheres, conforme explica uma matéria do The Guardian. Com grandes posteres de histórias em quadrinhos mostrando cenas de assédio que as mulheres sofrem no dia a dia, tentando, dessa maneira, conter e envergonhar os assediadores. As imagens foram criadas pelo artista egípcio Ahmad Nady. Uma das artes dele ilustram esse artigo. Pelo menos esse exemplo os quadrinhos podem dar.

por

Guilherme “Smee” Sfredo Miorando nasceu em Erechim em 1984. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, onde pesquisa quadrinhos e sexualidades. É especialista em Imagem Publicitária e bacharel em Publicidade e Propaganda. Ministra aula de quadrinhos e trabalha com design editorial e roteiros. Já trabalhou em museus e com venda de livros e publicidade. É pesquisador associado do Cult de Cultura e da ASPAS (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial). Faz parte do conselho editorial da Não Editora. Co-roteirizou o premiado curta-metragem Todos os Balões vão Para o Céu. Seu livro de contos Vemos as Coisas como Somos foi selecionado pelo IEL-RS em 2012. A partir de 2014, publicou ao menos um quadrinho independente por ano. Loja de Conveniências, sua primeira narrativa longa foi lançada em 2014. Em 2015 participou da coletânea de HQs LGBT Boys Love. Em 2017 colaborou com o quadrinho A Liga dos Pampas de Jader Corrêa, que explora mitos gauchescos. Também lançou Desastres Ambulantes em parceria com Romi Carlos, um quadrinhos sobre segunda guerra mundial e OVNIs, que foi selecionado pelo edital estadual PROAC/SP. Em 2017, publicou Abandonados Pelos Deuses: Sigrid, com Thiago Krening e Cristian Santos e também Fratura Exposta: REDUX com Jader Corrêa. Também escreve os roteiros para os super-heróis portoalegrenses Super Tinga & Abelha-Girl. Mantém o blog sobre quadrinhos splashpages.wordpress.com há mais de 10 anos.

8 comentários

  1. Uma correçãozinha: a estelar não foi executada por estar “acima do peso”. Está frase dá a entender que a culpa é da moça, quando na verdade ela foi assediada e por não corresponder aos padrões esperados pelos homens do evento. George Pérez ficou encantado com ela. Cosplayer profissional que se pintou inteira, colocou aquela peruca enorme e saltos altíssimos num calor dos infernos pra meia dúzia de nerd sem noção falar merda.

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