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Howard: Quando Um Pato Concorreu à Presidência

Você já deve ter ouvido falar que quando as cédulas de votação eram de papel, um rinoceronte do zoológico do Rio de Janeiro, chamado Cacareco, quase se elegeu para vereador da cidade. Mais recentemente, o palhaço Tiririca foi eleito a deputado estadual pelo estado de São Paulo, com o slogan “pior que tá, não fica”. Então o que impediria o pato mais famoso da Marvel, Howard, a se eleger presidente dos Estados Unidos? Com o tipo de candidato que anda se elegendo mundo afora, praticamente nada. Foi esse tipo de crítica social que o roteirista Steve Gerber e o desenhista Gene Colan fizeram na revista Howard The Duck #8. Eu vou contar um pouco dela para vocês!

Esta semana ficamos sabendo que a Marvel e o canal de streaming Hulu pretendem lançar quatro séries animadas de TV baseadas em personagens da Casa das Ideias. Uma delas será Howard, o Pato que, junto com mais outras três desembocarão na série Os Ofensores. Todas essas séries, como os filmes de Howard feitos na década de 80, tem como intenção atingir ao público adulto. As demais séries de TV serão M.O.D.O.K., Tigresa e Cristal e Assassímio (Hit Monkey). De certa forma, todas as séries terão um fundo de humor e sátira. A sinopse divulgada da série de Howard é a seguinte:

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Howard, o Pato está preso em um mundo que não é o seu, mas ave preferida da América espera voltar para casa com a ajuda de sua imperturbável amiga Beverly, antes que o malvado Dr. Bong possa transformá-lo no prato mais crocante do cardápio. Os escritores Kevin Smith e Dave Willis também serão produtores executivos, juntamente com Jeph Loeb.

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Howard, o Pato foi criado por Steve Gerber e Val Mayerick, em Adventures Into Fear #19, nos anos 70. Essa era uma revista dedicada ao Homem-Coisa, o sósia marvete do Monstro do Pântano que guarda o nexo das realidades nos pântanos da Flórida. Aqueles que o temem, queimam ao seu toque. Por ser o guardião do nexo das realidade, tudo poderia acontecer em suas histórias, assim como um bárbaro surgir de um pote de pasta de amendoim e, em seguida, um pato cartunesco fumando charuto, dar as caras.

Mas, na primeira edição de Man-Thing, os autores tratam de se livrar tanto do bárbaro quanto do Pato. Só que isso acabou causando uma revolta entre os leitores que queriam Howard de volta. Assim, depois de Howard aparecer em histórias de backup em dois anuais do Homem-Coisa, ele passou a ter seu título próprio com Howard, The Duck #1, em 1976. Claramente inspirado no Pato Donald, Gerber pediu a Mayerick que trocasse as roupas do animal de uma roupa de marinheiro para um terno e gravata com chapéu. Mayerick também tratou de dar um charuto para Howard, que se tornaria uma piada recorrente em suas histórias.

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Howard The Duck não era a típica história de heróis Marvel, afinal, ela tinha um pato antropomórfico como protagonista e não super-caras. Seus enredos eram bizarros, excêntricos. No primeiro número o Homem-Aranha faz uma aparição para alavancar as vendas, libertando a inocente, mas inabalável Beverly Switzler (que seria a sidekick de Howard) das garras de um mago da matemática e da contabilidade. A aparição do Aranha e os números envolvidos como vilões da edição são uma crítica de Gerber e do desenhista Frank Brunner à indústria dos quadrinhos e suas estratégias de alavancar as vendas.

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Os números seguintes trariam a aparição de personagens ainda mais peculiares como Garkko, o Homem-Sapo, o Homem-Nabo Espacial, o Piscadela (um herói sonâmbulo), a vampira Vaca Demoníaca, o Mestre do Quack-Fu, a Incrível Criatura de Biscoitos, o psiquiatra com a cabeça de sino Doutor Bong, entre tanto outros como a reclamona e ameaçadora velhinha dos rins. Em 1977, Howard ganhou uma tira nos jornais, tamanha era sua popularidade. O próprio Steve Gerber escreveu as primeiras, mas ela acabou dois anos depois. Em 1980 um piloto de um episódio de rádio foi feito com James Belushi como Howard. Howard ganha as telonas dos cinemas com Howard, o Super-Herói, pela Lucas Arts, em 1986. O filme, contudo, foi um fracasso de público e de crítica, embora alguns, hoje em dia o considerem cult. Neste mesmo ano, contudo, a revista de Howard era cancelada.

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As histórias de Howard, o pato, bem poderiam parecer uma paródia ou um pastiche de outros tipos de quadrinhos, mas eles escondiam um imensa crítica social e também sobre os meandros da indústria dos quadrinhos. Como Howard estava “preso em um mundo que não criou”, ele sempre ficava revoltado com as injustiças do “mundo dos humanos” vistas através dos olhos de um pato. Assim, ele se tornava uma espécie de herói às avessas, tentando consertar essas desigualdades e, invariavelmente, se dando mal no fim. Isso também aconteceu quando Howard se tornou candidato a presidente dos Estados Unidos.

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Isso aconteceu na edição de número 8 de Howard The Duck, escrita por Steve Gerber e desenhada por Gene Colan que já vinha desenhando a revista desde o número 4. A edição começa com Howard escapando de várias tentativas de assassinato, ao lado de sua companheira Beverly Switzler, até Howard descobrir que uma massiva campanha de marketing eleitoral está sendo realizada para sua campanha à presidência. Seu marqueteiro explica que, por isso, o “coeficiente de assassinato” de Howard é muito maior que o dos outros candidatos. A história então diz que a popularidade de Howard cresce porque ele diz a verdade. E cita um espectador: “Meu Deus! Ele diz a verdade! Vai estar morto em uma semana!”.

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A campanha de Howard corre com ele declamando: “‘Por que um pato?’ você pergunta! E eu digo: por que não um pato? Vocês tiveram asnos comandando este país por 200 anos!” Seguem-se declarações de seus concorrentes, Ford e Carter, e então corta para o famoso botton de Howard escrito “Get Down, América!”. No inglês, “get down” é uma gíria das discotecas que seria mais parecida com o “arrasa” atual. Mas sem o uso de gíria daria a entender como “abaixe” ou “se curve”. A intenção é que a palavra tenha duplo sentido como: “Arrasa América” ou “Arrasa, América!”. A tradução brasileira da Salvat resolveu manter um só significado na versão “Manda ver, América!”.

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As pesquisas eleitorais dizem, então, que 48% da população quer ver Howard morto, 30% quer votar nele e 22% está indecisa. Então, uma boneca explosiva, uma viga despencando do alto de um andaime, um carro desgovernado e um incendiário tentam matar Howard ensopando ele e Beverly de gasolina. No dia seguinte, a campanha de Howard está acabada, porque o jornal publicou fotos comprometedoras dele e Beverly tomando banho de banheira juntos!

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INTERROMPEMOS NOSSA PROGRAMAÇÃO PARA UM PRONUNCIAMENTO DA DEUSA DA INTERPRETAÇÃO: A CONTEXTUALIZAÇÃO!

HOWbrocheAs eleições de 1976 nos Estados Unidos foram atribuladas. Elas vinha em decorrência do fracasso na Guerra do Vietnã e do escândalo Watergate envolvendo o ex-presidente Richard Nixon, que acabou deposto. A era de pujança e ufanismo estavam mirrando no coração dos estadunidenses. Eles não possuíam mais esperanças em seu país. As ilusões de patriotismo haviam caído por terra e o cinismo reinava. Os candidatos daquela eleição eram o democrata Jimmy Carter e o republicano Gerald Ford. Contudo, nenhum deles era muito popular. A desilusão dos estadunidenses com seus candidatos  levou as pessoas, em sua maioria, os mais jovens, a comparecerem às urnas nos Estados Unidos (onde o voto é facultativo, ou seja, opcional) com broches e badges em suas camisetas e jaquetas com imagens de Howard que proclamavam “Howard The Duck For President”.

A criação de Howard, contudo, tinha muitos problemas judiciais. O primeiro foi com a Disney, em 1977, que dizia que o personagem era uma cópia do Pato Donald. Depois, Gerber passou a reivindicar os direitos autorais de sua criação numa longa batalha judicial com a Marvel. Esse conflito foi uma das disputas mais famosas por direitos autorais sobre um personagem de quadrinhos nos Estados Unidos. Com a chegada do filme de Howard nos cinemas, Gerber acabou concordando que a criação do pato foi um trabalho que ele fez contratado pela Marvel.

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Durante a década de 80 e 90, Howard só fez algumas aparições ocasionais em alguns gibis da Casa das Ideias, além de algumas edições que Gerber escreveu da Sensacional Mulher-Hulk, enquanto cobria a ausência de John Byrne. Nos anos 2000, com o advento da linha adulta Marvel MAX, Howard retornou, mas dessa vez, ele era Howard, o RATO! Isso porque a Marvel queria cutucar os problemas com a Disney. Se antes eles brigavam pelo pato Donald, agora que brigassem pelo Mickey Mouse. A minissérie era escrita por Steve Gerber e desenhada por Phil Winslade e Glenn Fabry.

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Em 2007 e em 2014, Howard ganhou outros títulos-solo pela Marvel, mas escritos e desenhados por outros criadores. No Brasil Howard nunca teve suas histórias publicadas, apenas alguns encontros com demais personagens. A grande exceção é o volume 29 da Coleção Oficial de Graphic Novels da Marvel – Clássicos, editada pela Salvat. Em 2014, Howard retorna aos cinemas, fazendo uma pontinha na cena pós-créditos do primeiro filme dos Guardiões da Galáxia, onde ele conversa com o Colecionador, pois fazia parte da sua coleção de criaturas. Fãs de longa data da Marvel reconheceram o pato na hora. Na película ele é dublado pelo comediante Seth Green.

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Envolvido em perrengues judiciais, em filmes adultos questionáveis, quebrando a quarta parede, fazendo aparições especiais aqui e ali, concorrendo à presidência ou estrelando séries animadas para adultos, Howard sempre será um marco do experimentalismo nos quadrinhos mainstream e uma forma de criticar o status quo estando inserido nele. Esse é o legado que Howard, o pato deixou para a geração dos anos 70, que votou nele e esse é, possivelmente o legado que deixará para as novas gerações que assistirão suas séries animadas pela Marvel e pelo Hulu.

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