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Está Faltando Originalidade e Criatividade nos Comics Atuais?

Volta e meia nos deparamos com comentários do tipo: “nos quadrinhos de hoje não tem nada de bom”, ou “no meu tempo, os quadrinhos eram muito melhores”. Esse tipo de comentário me irrita muito. Ou a pessoa não está buscando ler as coisas que saem ou possui preconceito ou simplesmente preguiça mental de ver que as coisas e o mundo mudaram. Mas para tentar avaliar essa situação, a de que falta originalidade e criatividade nos comics atuais, fui atrás desses dois conceitos e gostaria de discuti-los com vocês em face a atual produção de comics.

Para começar, vamos ao conceito de criatividade, dado por Oliver Sacks em seu livro Um Antropólogo em Marte.

“A criatividade, como costuma ser entendida, acarreta não somente em um “o que”, um talento, mas um “quem” – fortes características pessoais, uma identidade forte, uma sensibilidade e estilos próprios, que escoam para o talento, fundem-se com ele, dando-lhe corpo e forma pessoais. A criatividade, nesse sentido, envolve a capacidade de originar, de romper com a maneira existente de olhar as coisas, mover-se livremente no domínio da imaginação, criar e recriar mundos inteiros na cabeça da pessoa – enquanto supervisiona tudo isso com um olho crítico superior”. (SACKS, 2006, p. 47)

ORIsaga

Acho que Brian K. Vaughan é um bom exemplo de criador de mundos. Veja o que ele fez com Y: O Último Homem e em SAGA. Criou do nada dois enormes mundos de ficção científica e, mesmo que a criação dos dois tenha mais de dez anos de diferença, ele manteve seu estilo de escrita, mesmo que ele tivesse mudado um tanto. O estilo de BKV é de fácil reconhecimento. Não é por acaso que os seus Fugitivos estão fazendo sucesso como a melhor série live-action da Marvel até então e seguindo fielmente os quadrinhos escritos por ele.

ORIrunaways

Já no quesito originalidade, que também envolve a criatividade, pego emprestado a citação do escritor japonês Haruki Murakami em seu livro-ensaio Romancista como vocação. Nesse livro, entre muitos aspectos da criação, ele traz três passos para a definição da originalidade:

“É apenas opinião minha, mas para um determinado artista ser considerado original, ele precisa preencher os seguintes requisitos básicos:

  1. Possuir um estilo próprio que seja visivelmente diferente do de outros criadores (pode ser som, estilo de escrever, forma ou cor). Só de vê-lo (ouví-lo) um pouco, deve-se reconhecer (quase que) instantaneamente que se trata de uma expressão sua.

  2. Conseguir renovar o seu estilo por conta própria. O estilo precisa se desenvolver com o tempo. Não pode se manter no mesmo lugar para sempre. E deve possui força de reinvenção espontânea.

  3. Com o tempo este estilo próprio precisa se tornar um padrão a ser absorvido pelas mente das pessoas e deve ser incorporado como parte do critério de avaliação de valores. Ou precisa se tornar uma rica fonte de criação para futuros artistas”. (MURAKAMI, 2017, p. 52 e 53)

Portanto, originalidade e criatividade, envolvem, sem dúvida, uma grande marca pessoal, o que constitui o tal do estilo. O estilo é uma coisa presente em diversos quadrinistas renomados como Stan Lee, Alan Moore, Will Eisner, Garth Ennis, Frank Miller, Neil Gaiman e tantos outros. Nos representantes e criadores dos quadrinhos atuais podemos encontrar estilo facilmente em Brian Wood e Matt Fraction. Embora a obra de Wood tenha transitado de um trabalho mais original (como DEMO e Local) para coisas menos originais, como a equipe feminina dos X-Men, o trabalho de Matt Fraction se tornou mais original e mais autêntico atualmente. Basta comparar seu início com Casanova, Punho de Ferro e Justiceiro, com trabalhos atuais como Gavião Arqueiro e Criminosos do Sexo.

Também podemos encontrar voz autêntica em autores como Nick Spencer, que é verborrágico e irônico, mas que, ao mesmo tempo em que afasta os leitores a princípio, acaba atraindo-os ao final da leitura. Já Al Ewing e Charles Soule também possuem essa verve de ironia, buscando, através de um grande conhecimento de quadrinhos e de suas áreas específicas (como o Direito, para Soule e a FC para Ewing), imprimir suas versões pessoais para personagens e histórias. Isso sem ficarmos de citar gente como Brian Michael Bendis, Mark Millar, Scott Snyder, Tom Taylor e Tom King, todos eles com trabalhos identificáveis e que estão presentes e atuantes nos últimos dez anos.  

Dessa maneira, venho provar que as falácias “nos quadrinhos de hoje não tem nada de bom”, ou “no meu tempo, os quadrinhos eram muito melhores”, são exageros e ilusões de saudosistas. Esses leitores idilicamente ufanam seus quadrinhos empregando a eles uma carga de importância não maior do que os citados aqui. Vamos parar de viver no paraíso do passado e abrir os olhos para as possibilidades do futuro.

Fonte:

SACKS, Oliver. Um Antropólogo em Marte. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.

MURAKAMI, Haruki. Romancista por Vocação. São Paulo: Alfaguara, 2017.

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