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A Colorização da Pele dos Super-Heróis

Muitos artigos por aí falam sobre representações étnicas nos quadrinhos, mas poucos deles falam de como estes personagens são e eram colorizados de acordo com suas etnias. A colorização errônea da pele dos personagens é um pecado que a indústria dos quadrinhos ainda comete quando se trata de representar a variedade racial dos quadrinhos. A seguir, uma breve análise das representações étnicas através das cores nos quadrinhos:

Um ZOOM na obra de Roy Liechenstei

Um ZOOM na obra de Roy Liechenstei

Vamos começar pela raça caucasiana, porque sim, até essa teve dificuldade de ser representada. A cor da pele branca nos quadrinhos sempre foi difícil de sintetizar. Como podemos ver através de uma amplificação dos quadros de pop art de Roy Liechenstein, percebemos as retículas que formam a cor da pele caucasiana: bolinhas vermelha e amarelas se entrelaçando sobre fundo branco que, através do irônico efeito Monet, a olho nu parecem uma cor só. E assim ela foi mostrada até a digitalização das cores.

"Sou curiosamente negra!", diz Lois Lane!

“Sou curiosamente negra!”, diz Lois Lane!

No caso da cor núbia, os quadrinhos do início dos tempos dos quadrinhos usavam de 100% Black para representar os negros, de forma caricata e pejorativa, como podemos conferir nos álbuns do Tintim e em histórias da Disney.

Há uma história da revista da Lois Lane – A Namorada do Superman, em que Lois entra numa máquina para se transformar em negra, porque tem curiosidade em saber como é ser assim. Também no mundo do Presidente Superman – uma espécie de Obama com poderes – temos a Mulher-Maravilha negra, que se chama Núbia e vem de uma raça de amazonas africanas. Ambos vivem na Terra-23.

Os personagens da Terra-23, o Presidente Superman e a Núbia.

Os personagens da Terra-23, o Presidente Superman e a Núbia.

Veja como a representação da versão japonesa de Airboy lembra um macaco!

Veja como a representação da versão japonesa de Airboy lembra um macaco!

Já no caso dos asiáticos, mais uma cáustica verdade: os comics sempre os representaram como macacos amarelos, sim 100% Yellow, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, em que os Japoneses eram inimigos declarados dos Yankees. Quando não eram representados como amarelos, eram pintados de uma cor marrom muito estranha e nada condizente com a tonalidade epitelial dos asiáticos, como no caso nesta capa de Airboy. Mas não é só isso, até hoje a x-man Psylocke é desenhada de várias formas e quase nenhuma atesta seu “status” asiático. Nem em cores e muito menos no rosto.

Também os indígenas sofrem com a colorização. Quando não são mostrados com uma pele-vermelha, ao pé da letra mesmo, são trazidos a nós como pessoas rosadas, de um pink quase 100% Magenta. Isso você pode conferir nas primeiras histórias dos Novos Mutantes, principalmente as desenhadas por Bill Sienkiewickz, em que a personagem Dani Moonstar (Miragem) e a enfermeira Sharon Friendlander, índias Cherokees, são apresentadas com  um cor magenta de pele.

Dani Moonstar: pele-vermelha, literalmente!

Dani Moonstar: pele-vermelha, literalmente!

Mas nesse processo de colorização, chamado de separação das cores, até o Hulk sofreu, porque as máquinas de impressão não sabiam sintetizar o cinza – a cor que Stan Lee e Jack Kirby bolaram para ele  – e fez sua revista parar no terceiro número. Foi a partir daí que ele passou a ser da cor verde que tanto conhecemos.

Conhece o Hulk Azul?

Conhece o Hulk Azul?

Conforme falamos no último SplashPod, sobre uniformes de super-heróis, a regra básica de cores de super-heróis é que os mocinhos se vistam em cores primárias: tal qual Superman, Mulher-Maravilha, Homem-Aranha, Quarteto Fantásticos, e os vilões, ou anti-heróis como o Hulk, em cores secundárias, como no caso do Duende Verde, Mysterio, Doutor Octopus, Aniquilador, Lex Luthor e uma pá de cal de outros. Isso acontece também pelo processo de impressão, no qual era mais simples sintetizar as cores primárias e secundárias.

As regras das cores de super-heróis explicadas pelo Topeiróide e Artie ao Homem Impossível Junior  na revista da Fundação Futuro. Escrita por Lee Allred e Matt Fraction e desenhada por Mike Allred. Cores, claro, por Laura Allred.

As regras das cores de super-heróis explicadas pelo Topeiróide e Artie ao Homem Impossível Junior na revista da Fundação Futuro. Escrita por Lee Allred e Matt Fraction e desenhada por Mike Allred. Cores, claro, por Laura Allred.

O que é mais revoltante hoje em dia é que com tanta diversidade, as editoras ainda não saber representar direito seus personagens com os traços étnicos característicos. Temos como exemplo a Psylocke (japonesa), Forge (cherokee), Solstício (indiana) e até mesmo alguns personagens latinos, como a Tigresa Branca ou a Garra de Prata.

Shame on you, american comics, shame on you!

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Guilherme “Smee” Sfredo Miorando nasceu em Erechim em 1984. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, onde pesquisa quadrinhos e sexualidades. É especialista em Imagem Publicitária e bacharel em Publicidade e Propaganda. Ministra aula de quadrinhos e trabalha com design editorial e roteiros. Já trabalhou em museus e com venda de livros e publicidade. É pesquisador associado do Cult de Cultura e da ASPAS (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial). Faz parte do conselho editorial da Não Editora. Co-roteirizou o premiado curta-metragem Todos os Balões vão Para o Céu. Seu livro de contos Vemos as Coisas como Somos foi selecionado pelo IEL-RS em 2012. A partir de 2014, publicou ao menos um quadrinho independente por ano. Loja de Conveniências, sua primeira narrativa longa foi lançada em 2014. Em 2015 participou da coletânea de HQs LGBT Boys Love. Em 2017 colaborou com o quadrinho A Liga dos Pampas de Jader Corrêa, que explora mitos gauchescos. Também lançou Desastres Ambulantes em parceria com Romi Carlos, um quadrinhos sobre segunda guerra mundial e OVNIs, que foi selecionado pelo edital estadual PROAC/SP. Em 2017, publicou Abandonados Pelos Deuses: Sigrid, com Thiago Krening e Cristian Santos e também Fratura Exposta: REDUX com Jader Corrêa. Também escreve os roteiros para os super-heróis portoalegrenses Super Tinga & Abelha-Girl. Mantém o blog sobre quadrinhos splashpages.wordpress.com há mais de 10 anos.

9 comentários

    • guilhermesmee diz

      Oi Marcos! Sim, a HQ do Gene Luen Yang é muito boa, boto fé na fase dele no Superman. E o blog do Èrico é referência! Abraços!

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  5. Realmente triste e complicado a falta de tato de saber lidar com personagens que não fazem parte do padrão “homem-branco-hetero-cis”.
    Pior que a representação física é os esteriótipos de comportamento e afins.

    Confesso gostar muito da história citada da Lois Lane, que tentou passar na pele o que é ser negra, mas fico curiosa se esta história nos dias de hoje é ofensiva ou não;
    O caso citado do Airboy é “entedível” pois havia um contexto de propaganda guerra, o tal “terror amarelo”.
    E isto nos leva a uma pergunta que gostaria de fazer:
    Para todos os efeitos, muitos itens produzidos pela cultura de massa ficam datados ou são não conformes de acordo com a moral atual, porém muitos destes materiais tem valor histórico e artístico (como o citado Tin Tin) como fica e como devemos proceder com a republicação de tais bem hoje?

    Digo, devo
    A – “recolorir” o Tin Tin?;
    B – deixar como tá;
    C – colocar um aviso na primeira página, isto foi feito 1900 e bolinha mas hoje é feio;
    D – publicar só para adultos (mesmo material infantil);
    E – lançar uma versão ‘politicamente correta’ e a outra original com todas as piadas racistas.

    Parece provocação, mas comecei a pensar nisto por causa da polêmica do fumo, amo desenhos como Tom & Jerry, Pica-pau e afins, e eles são recheados de cenas de fumo (além de outras coisas como a famosa black face), e ouvi falar que nas versões de venda estariam editando o conteúdo. Eu concordei porque sei que este material é vendido para crinaças. Mas fiquei temerosa porque, apesar de tudo, achava necessaria se manter a original (e até permitir o acesso dela – obviamente não par acrianças).

    enfim, ótimo artigo.

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    • Guilherme Smee diz

      Olha, Isaura, acho que a letra C estaria de boa. Uma introdução explicando o contexto da época. Isso até enriquece a experiência literária. Abraços!

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